Ansiedade engorda?

Essa pergunta mora na cabeça de boa parte das pessoas que quando sente algo de ruim tenta compensar o sentimento com algum alimento. Em geral, chocolate, doces da infância, batata frita, pizza, uma promoção com 2 hambúrgueres de 3 andares, 2 copos grandes de refrigerante e Ovomaltine de sobremesa. Então, queria te falar que isso não é obra do acaso ou falta de disciplina!

E por que uma parte de nós (seres humanos) age dessa forma?

Fonte: Pexels

Pra que essa resposta fique clara pra vc é legal entender por que a gente come, afinal?

Basicamente, pra se manter vivo ou porque queremos/gostamos. (Estou sendo beeemm simplista aqui tá?!).

O primeiro tipo é aquela forma de comer que vc já deve ter ouvido falar. Nela, o nosso corpo tenta equilibrar o que a gente come com o que a gente gasta pra sobreviver. E tudo isso é balanceado através de uma relação que existe entre os estímulos enviados do nosso sistema digestivo (boca, estômago e intestino) que vão até o cérebro pra serem interpretados e em seguida, ser gerada a mensagem sobre hora de comer (fome) e hora de parar de comer (saciedade). 

Já o segundo tipo é aquela forma de comer que é ativada quando a gente tá diante um alimento bem gostoso, ou quando vc tem aquela sensação/pensamento: eu queria comer algo, mas não sei bem o que, ou quando vc não tá legal e come pra fazer o sentimento ruim passar. Ou ainda, sabe quando vc teve um dia péssimo e no final vc pensa: ah, hoje eu mereço!

Então, muito prazer, esse é o nosso sistema neurológico de recompensa. (digo nosso, porque TODOS nós temos)

E como a ansiedade entra nessa história?

Pra te responder vou usar um estudo feito em adultos, na Alemanha.

Essa pesquisa foi realizada com 5000 pessoas, entre 18 e 80 anos, durante 3 anos de acompanhamento. E o que deu pra perceber foi uma forte conexão entre a ansiedade, padrões de comportamento alimentar e  ganho de peso. 

PS: as gestantes não foram incluídas… mas isso é assunto pra outro post.

Neste estudo, as pessoas foram divididas em 3 grupos de comportamento:

1) aquelas com tendência a fazer restrição/escolhas de alimentos de maneira mais consciente e intencional; 

2) aquelas com tendência ao consumo de um grande volume de comida, sem qualquer controle; 

3) aquelas que sentem fome o tempo todo.

Ah, tanto a classificação dos padrões de comportamento quanto o diagnóstico de ansiedade foi feito com o uso de questionários. E todo mundo teve acompanhamento médico durante toda a pesquisa.

E olha que interessante: cada grupo pôde ser identificado por meio de “frases típicas”  que representavam o padrão de escolha daquela pessoa👇

  • Comportamento 1: “Como pouco de propósito porque não quero engordar”. Estas pessoas costumam seguir uma alimentação mais planejada e tem capacidade de evitar alimentos específicos. Elas também apresentam menos oscilações diante de estímulos que geram ansiedade.
  • Comportamento 2: “Quando estou triste, geralmente como demais”. Já esse grupo tem mais oscilações e responde de maneira mais reativa aos estímulos que desencadeiam a ansiedade, usando a comida como forma de compensação.
  • Comportamento 3: “Sinto fome o tempo todo. Então não consigo parar de comer até ver o prato vazio”.

E o que se aprendeu sobre essas pessoas?

A ansiedade teve uma associação forte com os padrões de comportamento 2 e 3, levando a tendências de alimentação mais impulsivas, compulsivas e até a alimentação noturna, funcionando como um estímulo de alta potência. Ou seja, essas seriam as formas dessas pessoas lidarem com emoções negativas. Um outro ponto em comum foi um menor nível de atividade física nesses grupos. 

Esse contexto torna essas pessoas com maior facilidade pra acumular peso. 

Só que ao mesmo tempo que esses padrões de comportamento seriam gatilhos pra formas de comer mais desfavoráveis, também são pontos de partida em direção aos tratamentos. E aqui, eu queria que vc entendesse o termo tratamento de uma forma mais ampla, incluindo educação alimentar, ajuda psicológica e/ou medicamentos.

PS: funcionar desse jeito, de forma alguma, é uma sentença de que vc nunca vai perder peso e sim de que vc precisa ser conduzido (a) de uma forma diferente durante o seu processo de tratamento, ok?

Como cada vez mais estudos chegam a conclusões que direcionam pra esse mesmo ponto, não é à toa que empresas e pessoas têm buscado cada vez mais propostas nesse sentido  🙏. 

Mas ainda é um número muito pequeno, perto dos que têm indicação formal pra receber (embora eu acredite que deva ser oferecido pra todo mundo).  Sejam por questões de informação, sociais ou econômicas, já que a gente vive em um país onde a experiência de cuidado é vivida/sentida de forma diferente por cada classe social e muitas vezes inacessível pra uma parcela enorme de pessoas. (não dá pra fingir que isso não acontece, né?) 

Sendo assim, a ansiedade pode fazer surgir ou ajudar a manter padrões de comportamento que tornam mais fácil o ganho de peso pra um certo grupo de pessoas, fazendo com que as tentativas de tratamento se tornem  frustrantes, cansativas até mesmo insustentáveis do ponto de vista financeiro, quando esses aspectos não são considerados durante atendimento e acompanhamento dessas pessoas.

Espero ter te ajudado e até o próximo post! 👋

Post inspirado em: 

1. Neurobiology of eating behavior, nutrition, and health. (Neurobiologia do comportamento alimentar, nutrição e saúde). Journal of Internal Medicine (Jornal de Medicina Interna) 2023.

2. Analyzing the link between anxiety and eating behavior as a potential pathway to eating-related health outcomes (Analisando a relação entre ansiedade e comportamento alimentar como um caminho potencial para resultados de saúde relacionados à alimentação). Scientific reports (Relatórios científicos – esta revista é um braço da revista Nature, que é muito conceituada entre os médicos e que talvez vc já tenha ouvido falar por aí) 2021.

3. The determinants of food choice. (Os determinantes da escolha alimentar) Proc Nutr Soc. (Anais da Sociedade de Nutrição) 2016.

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Thais Silva Vieira

Médica especialista em Terapia nutricional enteral (pela via oral e por sondas) e parenteral (pela veia) - Sociedade Brasileira de Nutrição Enteral e Parenteral Criadora de conteúdo digital.